A atenção primária à saúde no Brasil possui uma abordagem bem-organizada, que é o resultado do compromisso sustentado com o oferecimento de atenção primária à saúde de alta qualidade para toda a população. A Estratégia Saúde da Família, lançada em 1994, tem sido um pilar fundamental dos esforços para reorganizar e fortalecer a atenção primária à saúde no país. Desde sua implementação, parcela crescente da população brasileira pôde se beneficiar do acesso gratuito aos serviços de saúde preventiva e de atenção primária baseados em uma abordagem centrada na comunidade. Extensa literatura de pesquisas acadêmicas forneceu evidências das principais contribuições da Estratégia Saúde da Família para a redução em quase 18 mortes por 1.000 nascimentos na taxa de mortalidade infantil observada entre 1990 e 2019 no Brasil. O programa também tem sido associado à redução da mortalidade e das hospitalizações por doenças crônicas. Estimativas recentes também mostram que a implementação da Estratégia Saúde da Família esteve associada à redução de 45% das taxas padronizadas de internação por 10.000 habitantes entre 2001 e 2016, principalmente por condições sensíveis à atenção primária, como asma, gastroenterite, doenças cardiovasculares e cerebrovasculares. No entanto, à medida que alguns desafios são superados, novos se aproximam. Com o envelhecimento da população brasileira, os fatores de risco populacional aumentam e as ameaças de novas pandemias exigem resiliência e adaptabilidade.
Muitas características do setor de atenção primária à saúde no Brasil merecem ser reconhecidas como exemplos para os países da OCDE, incluindo o uso de equipes multidisciplinares de atenção primária denominadas equipes de saúde da família e o uso extensivo de agentes comunitários de saúde, que são os profissionais da linha de frente da saúde pública. O país também implementou conjunto de reformas importantes para melhorar o acesso à atenção primária à saúde de alta qualidade nas últimas décadas, incluindo o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ) e o Programa Mais Médicos (PMM).
No entanto, o Brasil ainda precisa enfrentar uma série de desafios. De modo mais crítico, apenas 65% da população brasileira é atendida por equipes de saúde da família e muitos pacientes ignoram os cuidados primários de saúde e procuram atendimento direto em especialidades ambulatoriais e hospitais, principalmente para condições que poderiam ser tratadas de modo mais eficiente no nível comunitário. A expansão da atenção primária à saúde também foi marcada por grandes disparidades entre estados e municípios, relacionadas principalmente à escassez de mão de obra e aos desequilíbrios na distribuição de médicos. Também houve aumento no número de pacientes idosos e prevalência crescente de doenças crônicas não transmissíveis – incluindo câncer, diabetes e hipertensão, que exigem prevenção eficaz, detecção precoce e tratamento. Por fim, embora o Brasil tenha longa história de desenvolvimento e investimento em redes, dados, interoperabilidade e habilidades, o avanço em direção ao uso eficaz de tecnologias digitais na atenção primária à saúde tem sido lento e fundamentalmente desigual.
A recente agenda de reforma do setor de atenção primária à saúde no Brasil – o programa Previne Brasil – tem metas ambiciosas para melhorar o acesso, promovendo atenção longitudinal e coordenada. Embora a atenção primária à saúde seja principalmente de responsabilidade dos municípios em um sistema de saúde descentralizado, serão necessárias supervisão e gestão mais fortes do governo federal, coordenação regional e apoio dos governos estaduais para aprimorar o acesso e a qualidade, reduzindo, assim, as desigualdades. Além disso, como em poucos anos o programa irá celebrar seus 30 anos, o mesmo requer inovações para poder enfrentar os desafios dos próximos 30, com melhor uso da tecnologia digital e das competências, modelos modernos de cuidados integrados, além de medidas de desempenho e incentivos financeiros.
Esta avaliação foi elaborada pelo Secretariado da OCDE para se basear em provas e práticas recomendadas de todos os sistemas de saúde da OCDE para apoiar o Brasil no fortalecimento de seu setor de atenção primária à saúde e garantir que ele seja responsivo às mudanças nas necessidades das pessoas, podendo oferecer ações preventivas, contínuas e atendimento coordenado de modo uniforme em todo o país.